Erros Comuns no Treino de Força (por Rui Marques)

(em tom provocatório)
Actualmente, os entusiastas do treino da força têm acesso a mais informação do que alguma vez tiveram. Cada vez que se dá uma vista de olhos a uma livraria, surge uma publicação dedicada ao tema exercício físico e chama à nossa atenção. Para juntar às revistas, o número de livros, cursos e vídeos da autoria de especialistas nesta matéria situa-se a um nível sem precedentes e continua a denotar uma firme subida.
De facto, tudo aquilo que pretendemos saber acerca de treino da força está facilmente ao nosso dispor.
Assim sendo, porque é que a grande maioria das pessoas continua a trabalhar incorrectamente? Será, talvez, porque existe um excesso de informação disponível? Esta afirmação parece contraditória mas se constatarmos que grande parte dos indivíduos que trabalham erradamente, o fazem devido a preferências individuais em níveis avançados de treino, certamente que deixará de o ser. Para os indivíduos iniciados ou num nível intermédio, os princípios básicos de um trabalho progressivo e adequado são, regra geral, fielmente respeitados.

A partir do momento em que decidimos estabelecer metas de trabalho no sentido de melhorar consideravelmente as capacidades físicas, nada mais errado do que perder o nosso precioso tempo e energia, não seguindo métodos de trabalho de resultados comprovados.
Maus hábitos de treino geram corpos disformes e lesões crónicas. Deste modo, porque não equacionar a correcção do seu esquema de trabalho, de acordo com algumas das informações contidas neste artigo. De facto, trata-se de informação que pode ser inteligentemente utilizada.

Aprender a reconhecer estes erros mais comuns é o primeiro passo para perceber e melhorar a qualidade do seu trabalho. Procure ser objectivo na análise dos seus próprios erros pois só perderá tempo se não o fizer. Lembre-se de que o crescimento - tanto físico como mental - deve ser uma jornada sem fim e cada revelação pode ser utilizada para potenciar os objectivos para os quais você trabalha denodadamente.

1. TÉCNICA DE EXECUÇÃO DO EXERCÍCIO INCORRECTA
Trata-se de um inimigo do progresso em qualquer nível de treino e está intimamente associado a lesões articulares, ligamentares e musculares. Quando você percebe que está a realizar um movimento incorrectamente, geralmente, já é demasiado tarde.
Uma técnica de execução correcta é essencial para o sucesso de qualquer esforço físico, assumindo especial importância no treino de musculação.
Não seja tímido. Solicite ao instrutor / professor que observe a sua técnica de execução e o corrija, se necessário. Deste modo, para além de trabalhar com maior eficiência e confiança, reduzirá consideravelmente o perigo de contrair lesões ou deformar progressivamente o seu corpo.

2. CARGAS EXCESSIVAS
Existe uma relação directa entre pesos elevados e músculos volumosos. A questão é que se a carga seleccionada não possibilitar uma técnica de execução correcta, você estará simplesmente a iludir-se, realizando um trabalho de qualidade reduzida.
Utilizar cargas elevadas não só promove uma técnica de execução defeituosa, mas também encurta o ventre muscular e aumenta a força sobre os tendões devido à inércia do movimento. Tal pode levar a tendinites e lesões ligamentares, entre outras coisas desagradáveis. Trabalhe o seu corpo e não o seu ego.
3. CARGAS MUITO LEVES
O lado oposto consiste em treinar com cargas extremamente leves que pura e simplesmente não provocam um trabalho muscular com resistência suficiente para se notar alguma diferença de força e volume musculares.
No entanto, se pretende uma ligeira melhoria ao nível da tonificação muscular deve trabalhar nesta base, o que não deixará de constituir uma trabalho aliciante e produtivo para as mulheres, que frequentemente manifestam receios infundados relativos aos possíveis efeitos da prática de musculação sobre a sua morfologia corporal.
Mas, se deseja uma hipertrofia muscular, deve trabalhar a pelo menos 70% da sua força máxima em qualquer exercício do circuito de treino. À medida que consegue manter uma técnica de execução correcta em todo o curso do movimento, deve aumentar o percentual (relativamente à força máxima) de carga com que trabalha, tanto quanto possível.

4. INTERVALOS DE REPOUSO PROLONGADOS
Um bom treino de musculação deve deixá-lo sentir-se fortalecido e não debilitado. Tal requer um intervalo de repouso adequado entre séries e exercícios. No entanto, alguns indivíduos parecem entender esta ideia como uma oportunidade para relaxar por cinco minutos, ficando praticamente adormecidos ou em atitudes de socialização. Não será necessário dizer que quando forem realizar a segunda série já os seus músculos estarão impreparados para tal esforço, o que constitui um sério risco de contrair lesões ao mesmo tempo que condiciona o efeito de treino.
Um intervalo de repouso produtivo entre séries deverá oscilar entre os 45 e os 90 segundos, dependendo da intensidade do trabalho realizado. Por exemplo, a realização de "agachamentos" com cargas elevadas irá aumentar a sua necessidade de recuperação relativamente à execução de "aberturas".
Entre exercícios o intervalo de repouso não deve ser superior a 3 minutos e entre partes do corpo poderá atingir os cinco minutos. Respeitando estes intervalos de repouso despertará o seu corpo para um novo crescimento.

5. CONCENTRAÇÃO REDUZIDA
A falta de concentração no ginásio pode resultar numa série de contratempos, desde uma pequena lesão até graves acidentes. "A mente falha antes do corpo" constitui-se como um ditado com uma elevada dose de verdade. O treino com pesos deixa de ser uma actividade saudável se a sua mente vagueia enquanto uma barra está acima da sua cabeça.
A mensagem é clara: concentre a sua energia e dirija-a para o treino no sentido de um progresso efectivo, em detrimento de dolorosos desgostos.

6. PARTES DO CORPO NEGLIGENCIADAS
Num trabalho esforçado para melhoria das capacidades físicas falta sempre um ingrediente. "Atirem-se" uma série de indivíduos, escolhidos ao acaso, para um ginásio e estes parecem unicamente atraídos para o trabalho dos peitorais e braços. As pernas são simplesmente o meio de locomoção para se deslocarem para o banco onde farão o "supino" ou para chegar à barra onde realizarão o "curl com barra".
Se você pretende ter um corpo simétrico, proporcionado e bem desenvolvido só há um caminho a seguir. Trabalhar arduamente os quadricípedes, isquiotibiais, gémeos e deltóides (partes do corpo normalmente negligenciadas), para além dos peitorais, dorso-lombares e braços. É difícil evoluir não trabalhando determinadas partes do corpo. O melhor a fazer é começar correctamente, isto é, evitar este problema desde o início.

7. SEQUÊNCIA INCORRECTA DOS EXERCÍCIOS
A base do treino de musculação é o trabalho árduo e consistente, mas existem algumas linhas de orientação baseadas na metodologia do treino que são indispensáveis a um trabalho adequado e profícuo. Muitas delas são apenas "senso comum", mas tal nunca impediu ninguém de tentar algo mais.
Demasiados indivíduos ajustam os seus programas de treino como uma má sequência de "poker", indo de um exercício para outro sem qualquer justificação racional. Pelo contrário, planeando correctamente a sua sequência de exercícios muitos benefícios daí resultarão. Os grandes músculos deverão ser trabalhados em primeiro lugar, seguidos dos grupos mais pequenos. Os braços deverão ser trabalhados no final. A razão para tal é a de que os braços são usados para todo o tipo de trabalho ao nível do trem superior. Se estes partirem já com níveis elevados de fadiga, o seu treino de peitorais e dorsais estará consideravelmente comprometido.
Uma sequência de treino correcta possibilita um aquecimento dos músculos mais pequenos, permitindo a diminuição do risco de lesões e ganhos de tempo. O treino de peitorais preparará o de ombros para o esforço, o de ombros preparará o de triceps, etc. Ainda assim, existem excepções a esta regra geral que, contudo, convém saber justificar.

8. TREINO ESPORÁDICO
O progresso em termos físicos está dependente de um elevado número de diferentes componentes. Entre estes, incluem-se factores genéticos, treino adequado, nutrição, recuperação e um estilo de vida saudável.
É a combinação destes factores que determina o potencial físico do indivíduo. Mas, não importa quantos factores destes intervêm positivamente neste processo, se você não se dedicar activamente ao treino. É a acumulação de treinos consistentes que produz ganhos.

9. SELECÇÃO DEFICIENTE DOS EXERCÍCIOS
Embora um treino correcto e uma nutrição adequada sejam uniformemente requeridas para o desenvolvimento físico, as diferenças individuais determinam uma especificidade das rotinas de treino e dietas. Tal como alguns indivíduos devem evitar certas comidas porque lhe causam reacções alérgicas, também certos exercícios devem ser evitados de acordo com a sua estrutura corporal.
Por exemplo, se você tem uns ombros estreitos, trabalhar o trapézio só fará com que estes pareçam ainda mais estreitos. A elaboração de um circuito de treino requer um conhecimento objectivo e concreto das suas forças e fraquezas em termos físicos e deve guiar-se por uma noção de proporção e compensação visual que o leve a escolher os exercícios que trabalhem a favor do seu corpo e não contra ele.

10. REALIZAR CIRCUITOS DE TREINO DE NÍVEL AVANÇADO
Se estiver a construir uma casa certamente que não começará pelo telhado, pois não? Contudo, muitos indivíduos continuam a tentar construir o seu corpo com exercícios específicos antes dos grandes alicerces físicos estarem construídos. Normalmente, tal comportamento deve-se a uma tentativa de rivalizar com a rotina de um homem hercúleo que vimos numa revista ou no ginásio.
O que estes desorientados neófitos não percebem é que o circuito de treino que estão a copiar não é aquele que desenvolve o seu corpo em primeira instância. Este é constituído por exercícios globais e básicos, tais como: "agachamento", "supino" ou "remada no puxador". Tendo conseguindo uma base sólida durante 6-12 meses, devem então incluir-se movimentos complementares como "curl concentrado", "press francês unilateral" ou "agachamentos hack", os tais que você vê fazer a esses modelos.
Os indivíduos num nível de treino inicial ou intermédio ao substituírem exercícios globais por exercícios específicos só ganharão frustração e nunca músculo. Os exercícios que promovem uma maior definição dos contornos musculares são, certamente, importantes ferramentas de trabalho, mas terá de haver algo para definir... Construa o grande campo de trabalho do seu corpo antes de avançar para detalhes.
Kia Ora,
Rui Marques
(adaptado por Pedro Miguel para o TRIBORPM, 2009)